A história da imigração italiana no Brasil: a grande travessia

navio com italianos no porto de santos

A história da imigração italiana no Brasil é uma saga de esperança, luta e transformação. Entre o final do século XIX e o início do XX, mais de um milhão e meio de italianos cruzaram o Atlântico em busca de uma vida melhor. A Itália recém-unificada vivia tempos de pobreza e instabilidade: o campo estava dividido, a industrialização se concentrava no norte e o sul sofria com a miséria e a falta de terras.

Para milhares de famílias camponesas, o Brasil parecia uma promessa distante de prosperidade — uma terra onde o trabalho era farto e o solo, generoso.

O Brasil que esperava pelos imigrantes

Do outro lado do oceano, o país vivia um momento de transição. Com a abolição da escravidão em 1888, a elite cafeeira paulista buscava uma nova força de trabalho para sustentar o principal produto de exportação da economia. A solução encontrada foi importar imigrantes europeus, em um projeto que misturava interesses econômicos e ideológicos.

Como analisa o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em seu dossiê sobre o tema, a política imigratória da época foi moldada por um ideal de “branqueamento” e de modernização do país, inspirado nos padrões europeus (IBGE – Brasil 500 Anos).

Do sonho ao choque da realidade

Os primeiros grupos de italianos chegaram às fazendas de café de São Paulo por meio de contratos conhecidos como “colonato”. Na teoria, o sistema prometia salário fixo, moradia e participação nos lucros das safras. Na prática, muitos imigrantes se viram presos a dívidas, trabalhando sob condições abusivas e enfrentando a vigilância constante dos fazendeiros.

O Relatório Rossi, publicado em 1902 pelo governo italiano, denunciou o tratamento degradante dado aos trabalhadores e provocou a promulgação do Decreto Prinetti, que proibiu oficialmente o envio de emigrantes italianos subsidiados para o Brasil (Altreitalie, 2010).

Novos rumos e raízes no Sul do país

Mesmo assim, o fluxo não cessou. A partir das primeiras décadas do século XX, a migração passou a ser espontânea, impulsionada por redes familiares e pelo boca a boca.

Enquanto o interior de São Paulo concentrava italianos nas fazendas e nas pequenas indústrias que nasciam ao redor das ferrovias, o Sul do país recebeu milhares de colonos que fundaram vilas e comunidades inteiras. No Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, surgiram cidades que até hoje preservam nomes, sotaques e tradições trazidas da Itália.

A historiadora Roseli Boschilia, da Universidade Federal do Paraná, explica que nessas colônias o trabalho coletivo e a forte religiosidade criaram uma identidade italo-brasileira única, em que a língua, a fé e a comida se tornaram símbolos de pertencimento.

Identidade, política e nacionalização

Nos anos 1930, as relações entre Brasil e Itália ganharam novos contornos. O fascismo de Mussolini procurava influenciar as comunidades italianas no exterior, e parte dos imigrantes passou a ser vista com desconfiança pelo governo de Getúlio Vargas, especialmente durante o Estado Novo. A política de nacionalização proibiu escolas estrangeiras e restringiu o uso do idioma italiano em público.

Ainda assim, como destaca o pesquisador Emilio Franzina, autor de La Emigrazione Italiana in Brasile, a integração cultural já estava consolidada: “os italianos no Brasil não apenas se adaptaram, mas reinventaram a ideia de italianidade, fundindo-a à identidade brasileira”.

A herança viva dos imigrantes

A contribuição italiana é visível em todos os cantos do país. Da pizza paulistana aos vinhos da Serra Gaúcha, da arquitetura de Caxias do Sul às procissões religiosas de Nova Trento, há um fio cultural que conecta gerações. Essa herança também se expressa na linguagem — expressões, sobrenomes e sotaques italianizados — e na forte presença de descendentes de imigrantes em setores como comércio, agricultura e indústria.

Segundo o Museu da Imigração de São Paulo, mais de 30 milhões de brasileiros têm alguma ascendência italiana, o que faz do Brasil o país com a maior comunidade ítalo-descendente fora da Itália.

Memória, fé e pertencimento

Por trás dos números, no entanto, há histórias humanas de coragem e sacrifício. Há cartas de camponeses que descrevem o desespero da travessia, o medo das doenças e a saudade dos familiares deixados para trás. Há diários que registram as primeiras colheitas nas terras vermelhas do interior paulista e as festas improvisadas nas pequenas capelas do Sul. E há, sobretudo, o sentimento de que o Brasil se tornou uma extensão da Itália — não pela geografia, mas pela memória, pelos gestos e pela comida compartilhada.

Mais de um século depois, as comunidades italianas continuam celebrando esse legado com orgulho. Festas típicas, como a Festa da Uva em Caxias do Sul e a Festa Italiana em São Paulo, reúnem gerações em torno da música, da culinária e das histórias de seus antepassados. O que começou como uma travessia de sobrevivência transformou-se em um dos capítulos mais ricos da formação do povo brasileiro — uma história que mistura trabalho duro, fé, humor e uma pitada generosa de esperança.

150 anos de imigração

Em 2024, o Brasil e a Itália celebraram um marco simbólico — os 150 anos da imigração italiana oficial ao país, data que remete ao desembarque do navio La Sofia em 21 de fevereiro de 1874, com cerca de 388 imigrantes vindos da Itália.

As comemorações foram amplas: no Museu da Imigração de São Paulo foram organizadas palestras, oficinas e visitas educativas especiais para revisitar as histórias dos colonos e refletir sobre seu legado na sociedade brasileira.

Em vários estados, monumentos e edifícios públicos foram iluminados, eventos culturais foram promovidos e um olhar renovado sobre essa parte essencial da nossa identidade foi reaberto — reafirmando a profunda interligação entre Brasil e Itália e homenageando os que cruzaram o oceano em busca de esperança.

Fontes consultadas:

  • Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – Brasil 500 Anos: Italianos no Brasil
  • Altreitalie Journal – Italian Emigration to Brazil: From Colonato to Integration (2010)
  • Boschilia, Roseli. Imigração Italiana no Paraná: Cultura e Identidade – UFPR, 2015
  • Museu da Imigração do Estado de São Paulo – Acervo digital sobre imigração italiana
  • Franzina, Emilio. La Emigrazione Italiana in Brasile (Bologna: Il Mulino, 2003)

Foto por T.H. Wendt. (1907). Desembarque de imigrantes no Porto de Santos, 1907. Memorial do Imigrante de São Paulo. Memoria de Santisteban – Domínio público.

Sobre o Autor

Rafael Hertel
Rafael Hertel

Sou Rafael Hertel, jornalista e apaixonado por viagens. Ao longo dos anos, tive o privilégio de explorar destinos fascinantes ao redor do mundo, desde grandes metrópoles até refúgios escondidos. Cada viagem me proporcionou experiências únicas e momentos inesquecíveis, e agora quero compartilhar essas aventuras e dicas com você.

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