Essa é a maior viagem de carro do mundo sem sair da estrada

Imagina dirigir sem parar através de três continentes, deixando as ondas para trás e atravessando apenas pontes e túneis. Nas comparações sobre rotas épicas, a famosa Rodovia Pan‑Americana percorre aproximadamente 48 000 km entre o Alasca e a Patagônia, mas ela é interrompida pelo Darién Gap, uma faixa de selva de 160 km que obriga o viajante a recorrer a balsas entre Panamá e Colômbia.
Por causa dessa lacuna, muitas pessoas procuram outra rota. Uma alternativa surpreendente é a estrada mais longa contínua que se pode percorrer a pé ou de carro: uma rota que liga Magadan, no extremo oriente da Rússia, à Cidade do Cabo, na África do Sul. O portal The Travel explica que esse percurso tem cerca de 14 000 milhas (22 387 km), atravessa 16 países e evita balsas porque todas as travessias são feitas por pontes ou túneis. A seguir descrevo essa jornada colossal e os principais trechos de estrada que a compõem, destacando os desafios e paisagens únicos de cada etapa.
Por que a Pan‑Americana não é a maior viagem contínua
A rota mais conhecida para grandes aventuras rodoviárias é a Rodovia Pan‑Americana. Ela liga as Américas e, segundo a Brilliant Maps (não citada aqui), seria a “maior rodovia motorizável” reconhecida pelo Guinness. Contudo, a estrada é interrompida pela selva do Darién Gap, o que obriga o uso de barco ou avião para cruzar 66 milhas de floresta. Para quem pretende percorrer o mundo sobre rodas sem sair do asfalto, isso inviabiliza a Pan‑Americana. A rota Magadan–Cidade do Cabo evita esse problema ao permanecer em continentes conectados por pontes e túneis.
Extensão e países percorridos
A rota Magadan–Cidade do Cabo é considerada a mais longa que se pode percorrer sem embarcar em balsas, totalizando 14 000 milhas (22 387 km). Ela atravessa 16 países em três continentes:
- Rússia – ponto de partida (Magadan) e protagonista do trecho mais extenso;
- Geórgia e Turquia – via de acesso ao Cáucaso e à Europa/Ásia;
- Síria, Israel e Egito – região de transição para a África;
- Sudão, Sudão do Sul, Uganda, Tanzânia, Zâmbia, Botsuana e África do Sul – países da África oriental por onde passa a estrada;
- Alguns roteiros alternativos consideram Jordânia ou Egito em vez de Israel para evitar fronteiras fechadas.
Embora o percurso seja teoricamente contínuo, ele atravessa zonas de conflito e fronteiras fechadas (ex.: entre Síria e Israel ou entre Rússia e Geórgia). Na prática, portanto, trata‑se mais de um exercício de planejamento do que de uma rota turística viável neste momento.
Travessia da África: a Rodovia Cairo–Cidade do Cabo
O primeiro grande trecho da viagem corre de norte a sul pela África. A Rodovia Cairo–Cidade do Cabo é o Corredor 4 da Rede de Rodovias Trans‑Africanas, desenvolvida pela Comissão Econômica da ONU para a África e pelo Banco Africano de Desenvolvimento. Segundo o artigo da Wikipedia, essa rodovia tem 10 228 km e liga Cairo, no Egito, à Cidade do Cabo, na África do Sul. O percurso moderno foi concluído em 2018 com a pavimentação do trecho Dodoma–Babati na Tanzânia, o que eliminou um dos últimos gargalos.
Tradicionalmente, a travessia entre Egito e Sudão era feita por barca na represa de Assuã/Lago Nasser. Para manter a viagem sem balsas, viajantes usam o posto de fronteira de Argeen, no lado oeste do Nilo, onde uma estrada liga Abu Simbel (Egito) a Dongola (Sudão). Informações de viajantes (não citadas aqui) relatam que essa alternativa exige percorrer longos trechos de estrada no deserto e pode ter infraestrutura precária. Depois, o caminho prossegue por Khartoum, Etiópia (dependendo do traçado), Quênia, Tanzânia, Zâmbia e Botsuana até chegar à África do Sul.
Cruzando o Canal de Suez: ponte e túnel
Para sair da África sem pegar barco, é necessário atravessar o Canal de Suez. O Mubarak Peace Bridge (ou Ponte do Canal de Suez) é uma ponte rodoviária perto de El Qantara. Ela foi construída como parte de um projeto Egito‑Japão e liga os continentes da África e da Ásia. Outra opção é o Túnel Ahmed Hamdi, um túnel rodoviário de 1,63 km sob o canal, construído na década de 1980; ele também conecta a Península do Sinai (Ásia) à cidade de Suez (África). Essas duas estruturas permitem que veículos atravessem o canal de forma ininterrupta, garantindo que a viagem permaneça em rodovias.
Oriente Médio e Cáucaso: caminhos incertos
A partir do Sinai, a rota segue pelo Oriente Médio. Há basicamente duas opções:
- Israel/Jordânia – Síria – Turquia – Geórgia: esta rota enfrenta sérias restrições, pois a fronteira Síria–Israel está fechada e a Síria continua em conflito. Viajantes que tentem contornar pela Jordânia precisam atravessar desertos e enfrentar fronteiras imprevisíveis.
- Egito – Jordânia (via pontes sobre o Golfo de Aqaba) – Arábia Saudita – Iraque – Turquia – Geórgia: alternativa recente, pois a Arábia Saudita abriu fronteiras terrestres para turistas em 2019; contudo, algumas áreas ainda exigem permissões especiais.
Independentemente da rota, o objetivo é chegar à Geórgia. A conexão entre Tbilisi (capital georgiana) e Vladikavkaz (no sul da Rússia) é feita pela histórica Estrada Militar Georgiana. Esse caminho tem 212 km e segue o vale do rio Terek, atravessando o Desfiladeiro de Darial, a região de Khevi, o Passo Jvari a 2 379 m de altitude e chegando a Pasanauri antes de mergulhar em direção a Tbilisi. A estrada serviu como rota de exércitos e comerciantes ao longo dos séculos. Hoje, ela é asfaltada, mas está sujeita a deslizamentos e longas filas na fronteira
Sibéria: a Autoestrada Transiberiana e a Estrada dos Ossos
Ao ingressar na Rússia, o viajante enfrenta o trecho mais longo e isolado. A Autoestrada Transiberiana é uma rede de rodovias federais com mais de 11 000 km, ligando São Petersburgo ao Extremo Oriente russo. Os trechos relevantes da viagem incluem:
- M10 e M5 – ligam São Petersburgo e Moscou ao sul dos Urais;
- R254 e R255 – cruzam a Sibéria Ocidental até Irkutsk;
R297 (Rodovia Amur) – 2 100 km de asfalto conectando Chita a Khabarovsk; - A360 (Rodovia Lena) – 1 235 km entre Skovorodino e Nizhny Bestyakh;
R504 (Estrada de Kolyma ou “Estrada dos Ossos”) – 2 031 km de estrada que liga Nizhny Bestyakh a Magadan.
A Estrada de Kolyma, construída por prisioneiros gulag nos anos 1930–1950, é famosa por suas condições extremas: frio intenso no inverno, lama no verão e longos trechos sem serviços. Atualmente, a rodovia está totalmente pavimentada até Magadan, mas continua exigindo veículos robustos e preparação minuciosa.
Clima, burocracia e desafios
Percorrer a maior viagem de carro do mundo não é apenas uma questão de distância. Entre Magadan e a Cidade do Cabo o viajante passa por seis fusos horários, atravessa climas que variam da tundra siberiana aos desertos do Saara e de Kalahari, e enfrenta regiões montanhosas, savanas e florestas tropicais. Além das condições naturais, há as barreiras geopolíticas:
- Vistos e autorizações – Rússia, Sudão, Sudão do Sul e Síria exigem vistos prévios e, em alguns casos, autorizações especiais para dirigir;
- Fronteiras fechadas ou de risco – a passagem Rússia–Geórgia já foi fechada diversas vezes e enfrenta filas longas; as fronteiras Síria–Israel e Sudão–Sudão do Sul podem ser inacessíveis;
- Segurança – o percurso atravessa zonas de conflito ativo e áreas com pouca presença governamental; deslocar‑se sem escolta pode ser perigoso;
- Infraestrutura – apesar de grandes projetos de pavimentação, ainda há trechos com estradas de terra, combustível escasso e ausência de assistência mecânica.
Para minimizar riscos, seria necessário planejar a viagem em etapas, acompanhando a situação geopolítica de cada país, obtendo os vistos com antecedência e contando com um veículo 4×4 resistente. Na prática, a maioria dos viajantes que atravessa a África ou a Sibéria o faz em viagens separadas, muitas vezes usando navios ou aviões para contornar trechos instáveis.
Conclusão
A rota Magadan–Cidade do Cabo é uma façanha mais teórica do que prática, mas ela ilustra como as redes rodoviárias de três continentes estão interligadas. De acordo com o The Travel, ela mede aproximadamente 22 387 km, atravessa 16 países e evita qualquer travessia de balsa porque utiliza pontes como a Ponte do Canal de Suez ou túneis como o Ahmed Hamdi. A partir da África, percorre a Rodovia Cairo–Cidade do Cabo (10 228 km) passa pelo Oriente Médio e Cáucaso via estradas como a Estrada Militar Georgiana, e enfrenta o isolamento da Sibéria na Autoestrada Transiberiana e na Estrada de Kolyma.
Realizar essa aventura exigiria superar fronteiras fechadas, conflitos e climas extremos, mas imaginar a maior viagem de carro do mundo nos lembra da imensa diversidade geográfica e cultural do planeta e da engenhosidade humana em conectar lugares tão distantes por estradas.
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